Hoje eu resolvi olhar as coisas.
Olhar, mas não com os olhos, com o coração. E fazendo o mesmo caminho que faço todos os dias pra ir trabalhar, eu vi muitas coisas, que normalmente eu não vejo.
Eu vi, o orvalho da manhã nas folhas, vi a fumacinha que saía da minha boca...
Vi a neblina que cobria a praça...
Uma mulher com um neném no colo, tão enrolado que sumia dentro da manta.
Vi um cachorro. Passeando livre e feliz...
Uma mulher andando de bicicleta, e uma outra corria... sem qualquer agasalho, ela corria indiferente aos pouquíssimos graus que fazia.
Tudo me pareceu particularmente mais calmo nessa manhã. As pessoas andavam pelo calçadão, sem aquela pressa habitual. E me transmitiam paz.
Eu queria desejar-lhes bom dia a todos! No meu íntimo foi o que eu fiz...
E me senti totalmente irmã e solidária, daqueles desconhecidos. Cada um indo para sua batalha diária, que nunca abandonam.
Alguns olhavam pra mim, como se tivessem descoberto meus pensamentos.
E esboçavam até um sorriso de canto de boca...
Contiuei caminhando, e a sensação de paz me inundava.
E percebi que todas as coisas ruins que eu vejo no dia a dia, nem sempre estão ali, mas na maioria das vezes eu as vejo por que assim eu desejo ver.
Por causa do meu mau humor, do meu stress, do meu cansaço e má vontade. E agora não quero mais ver...
Só quero ver o que há de bom nas pessoas, e sentir nelas um irmão, e transmitir-lhes paz, e amor que tenho em meu coração.
quinta-feira, 8 de maio de 2008
terça-feira, 6 de maio de 2008
A conspiração dos outros - Rubem Braga
Amanheci resfriado - e a manhã também resfriada, com nuvens pardas e sujas e um pequeno vento maligno.
Ontem tive um dia mau, um desses dias em que a gente tem vontade de ir até o aeroporto, puxar as notas que tem no bolso e os níqueis e dizer em qualquer balcão de companhia: "Me dá isso de passagem."
A cidade estava francamente hostil. Pululavam mulheres feias e homens desagradáveis. Parece que eles se telefonam e combinam todos sair à rua em massa determinado dia, ocupar os pontos estratégicos, patrulhar as calçadas, ocupar os transportes, abarrotar os botequins, cortar toda a esperança e estragar toda a paciência de um pobre homem distraído e de boa vontade.
Fizeram isso. Vieram de todos os bairros, e mal escondiam sua nefanda combinação: falavam-se em voz alta, abraçavam-se nas portas dos elevadores diante da raiva impotente dos cabineiros e dos passageiros que tinham pressa, conversavam de boca cheia nos restaurantes e fungavam nos cinemas.
E onde estavam as outras pessoas? As mulheres suaves, os amigos reconfortantes, as pessoas desconhecidas que, entretanto, fazem bem, o mulato alto de quem nos sentimos irmãos quando nossos olhares se encontram depois de verem ambos a mesma mulher que passa com certo jeito engraçado? Ou, por exemplo, aquele vendedor ambulante e clandestino de cigarros estrangeiros a quem não quisemos comprar nada e mostramos nosso cigarro mata-rato, e nos filou um dizendo amavelmente: "Isso é muito melhor"; e aquele chofer que podia fiar irritado com a barbeiragem tremenda da mocinha do fusca, mas apenas lhe gritou com um sorriso: "Você acaba aprendendo, meu bem!" - ou o sujeito do interior que numa intimidade súbita nos fala de sua lavoura e de seu filho que está querendo estudar para aviador, ao passo que o mais velho tem gosto é para a criação de gado, "falou com ele de boi, ele está satisfeito - onde estão as almas boas, as súbitas mulheres lindas de vestidos simples, os doidos simpáticos, as caras amenas, as vozes estranhas que nos comovem por algum acento familiar, a gente humana da cidade?
Creio que todos foram avisados que era dia de se esconderem. Talvez os amigos estejam reunidos em uma festa improvisada e, quando eu me queixar que ninguém me avisou, digam: "- Puxa, mas todo mundo sabia, eu estava crente que você ia aparecer." E então descobriremos que saímos de um lugar cinco minutos antes de um amigo chegar, ou chegamos dez minutos depois, e nos telefonaram quando não tinha ninguém em casa, e nós discamos inutilmente três vezes para um aparelho com defeito - e assim ficamos desprezados, entregues à população hostil, bebendo, de cara voltada para a parede, o conhaque amargo da solidão.
Ontem tive um dia mau, um desses dias em que a gente tem vontade de ir até o aeroporto, puxar as notas que tem no bolso e os níqueis e dizer em qualquer balcão de companhia: "Me dá isso de passagem."
A cidade estava francamente hostil. Pululavam mulheres feias e homens desagradáveis. Parece que eles se telefonam e combinam todos sair à rua em massa determinado dia, ocupar os pontos estratégicos, patrulhar as calçadas, ocupar os transportes, abarrotar os botequins, cortar toda a esperança e estragar toda a paciência de um pobre homem distraído e de boa vontade.
Fizeram isso. Vieram de todos os bairros, e mal escondiam sua nefanda combinação: falavam-se em voz alta, abraçavam-se nas portas dos elevadores diante da raiva impotente dos cabineiros e dos passageiros que tinham pressa, conversavam de boca cheia nos restaurantes e fungavam nos cinemas.
E onde estavam as outras pessoas? As mulheres suaves, os amigos reconfortantes, as pessoas desconhecidas que, entretanto, fazem bem, o mulato alto de quem nos sentimos irmãos quando nossos olhares se encontram depois de verem ambos a mesma mulher que passa com certo jeito engraçado? Ou, por exemplo, aquele vendedor ambulante e clandestino de cigarros estrangeiros a quem não quisemos comprar nada e mostramos nosso cigarro mata-rato, e nos filou um dizendo amavelmente: "Isso é muito melhor"; e aquele chofer que podia fiar irritado com a barbeiragem tremenda da mocinha do fusca, mas apenas lhe gritou com um sorriso: "Você acaba aprendendo, meu bem!" - ou o sujeito do interior que numa intimidade súbita nos fala de sua lavoura e de seu filho que está querendo estudar para aviador, ao passo que o mais velho tem gosto é para a criação de gado, "falou com ele de boi, ele está satisfeito - onde estão as almas boas, as súbitas mulheres lindas de vestidos simples, os doidos simpáticos, as caras amenas, as vozes estranhas que nos comovem por algum acento familiar, a gente humana da cidade?
Creio que todos foram avisados que era dia de se esconderem. Talvez os amigos estejam reunidos em uma festa improvisada e, quando eu me queixar que ninguém me avisou, digam: "- Puxa, mas todo mundo sabia, eu estava crente que você ia aparecer." E então descobriremos que saímos de um lugar cinco minutos antes de um amigo chegar, ou chegamos dez minutos depois, e nos telefonaram quando não tinha ninguém em casa, e nós discamos inutilmente três vezes para um aparelho com defeito - e assim ficamos desprezados, entregues à população hostil, bebendo, de cara voltada para a parede, o conhaque amargo da solidão.
segunda-feira, 5 de maio de 2008
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